julion, el ratón ratito (for Art's sake!)

Friday, October 19, 2007

acting?

O tema do post anterior, e a defesa da «pintura» contra a «acção» parece estranho vindo de um actor, e de alguém empreendedor, que tem mais de aglutinador de gente e entusiasmador, como o Ernesto de Sousa o foi. A pintura é uma actividade quase meditativa. Num certo limite é uma reacção quietista a um estado de tábua rasa, ou uma vontade de «povoamento» fictício. É de qualquer modo uma experiência insólita e solitária, como o é a escrita - há uma certa auto-marginalização. E o silenciamento do Batarda e de outros já vem do velho motivo da «poesia muda», ou quietinha, e do melhor silêncio do Salvator Rosa que o Batarda também cita.

Há uma tradição de barulhisação - uma tradição feliz e festiva - que vem se calhar das velhas Academias italianas, quando estas eram a oportunidade de confraternisar e beber uns copos (ou fazer alguns disparates, a pretexto da bela convivialidade), e que também o foi das ditas vanguardas, particularmente do futurismo e do dadaísmo. Essa tradição reemerge no hapenning e na performance. Penso no caso paradigmático de John Cage, um teatralizador do silêncio - e de como o silêncio requere uma atenção teatral quer por parte do compositor, do executante e do público. No fundo Cage está a aproximar-se da pintura como de uma acção ideal - só que a teatralização leva a outras paragens. E a certa altura perguntamos se todo o acto meditativo não é uma teatralização.

Thursday, October 18, 2007

o silênciamento dos conscientes


Há um excelente artigo do Silva Melo agora recolhido no livro Século Passado que se chama «notas polémicas e lembrança» - é sobre as domesticações de projectos pessoais e revolucionários e sobre outros triunfos e de como as vozes se abafam quase sempre em nopme do povo e muitas vezes em nome de uma vanguarda que já não a é. O artigo é extenso e fala de literatura, teatro e pintura, de conformismos de vários géneros. O artigo ganha um interesse suplementar depois do caso Areal. As controversas exposições no SNI e etc., que desagradam a todos sem excepção, e a sua actividade crítica, temível da qual a sua obra é um consequente prolongamento. Palolo, Lapa e Batarda não são alheios ao impulso de Areal, e no caso de Lapa e Batarda podemos dizer que há uma identica impiedade critica, uma agudíssima consciência pessoal e «revolucionária» que também transita em textos, em ambos os casos «escarafunchista» e virando-se na vida um pouco contra eles mesmos. Lapa liberta-se na pintura como se se desenvencilhasse da lingua. Os seus textos, como os de Batarda, estão cheios de ressalvas, que é a consciência de que a cada momento a linguagem é traiçoeira. Batarda, pelo contrário mantém o tom crítico, auto-critico de uma forma tão imperdoável que as palavras e as imagens desaparecerão com os tempos da superficies. Só o autor os vê, com uma complexidade que não é para profanos. Para os outros a sua obra começa por ser complexa e opaca, e cada vez mais opaca e a certa altura admiramos-lhe a opacidade e a complexidade mas já nos custa identificar qualquer coisa senão uma excelência com coisas muito bicudas a formarem algo inidentificável. Mas um dos interesses do artigo do Silva Melo é o de como fala da batalha crítica de Batarda versus Ernesto de Sousa, da Pintura contra a Acção. Do ponto de vista da história oficial seria o contrário do que Silva Melo pretende - Batarda pode «contextualmente» ser visto como um artista pop tardio, da irrequieta e snob tradição inglesa, e por extensão da reaccionária e burguesa tradição da pintura. Ernesto como um homem que sai do cinema tradicional e que entra no campo preformativo da vidas como montagem-desmontagem, etc. Acho que Batarda é muito mais do que isto e não creio que o Ernesto de Sousa e seus compinchas tenha silenciado o Batarda. Se bem que, e Silva Melo nota-o bem, o Ernesto é de algum modo percursor do comissariado em Portugal , figura caricata com ar «soviético» ao serviço de «estratégias de promoção e poder», submissão de artistas, voluntária, a vagos manipuladores dos modos como as suas obras («em construção»?) devem ser dadas a ver (a ler, a poder). De certa forma, grande parte da arte actual são fantasias masoquistas sobre o poder e a (in)capacidade de transgredir. Em Lapa (não sei se em Palolo) a pintura e a literatura são exercitação no sentido da liberdade, ou de desfruto da liberdade. Em Batarda a excelência e a consciência não se limitam a enunciar no que seria um paradoxo de tipo hegueliano, mas exercem-se sobretudo na pintura, e há algo de sofisticadamente dilacerante nessa prática.


No verão-outono de 1986 os homeostéticos dedicaram uma exposição (de pintura) ao Ernesto de Sousa, e atribuiram um prémio (telegráfico) ao Batarda. O Ernesto estava doente, reticente, mais aberto, menos interessante para os de então e menos reciclável para os que até agora o têm abordado (mas são os seus textos dos anos 80 que prefiro!). Havia uma série de temas e questões que lhe interessavam que também nos interessavam. No caso do Batarda é a sua inalienável complexidade e a sua maravilhosa pintura e consciencia crítica que só podiam ser premiadas, antes de todos os outros prémios de consolação ou de carreira. Batarda é um pintor absolutamente genial e dificílimo de recuperar à luz da museologia actual - as suas obras não se adaptam às paredes esmagadoras e retóricamente «minimalistas»/«puritanas» dos museus. São quiçá mais burguesas. A sua obra crítica e teórica, de que quase ninguém fala é o sintoma de que ninguém quer falar de ninguém. Batarda calou-se para não ofender, para não arranjar mais inimizades (o que é difícil). A verdadeira tarefa crítica é cruel, e de facto ofende muitas vezes. Foi isso que inviabilizou a via Batarda. Ficamos com a Acção, «mussolinista», mas «consumista»; revolucionária, mas comissariada para museus.

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